Sobre o mar e o Brasil…

Carlos Javkin

 

 

Fico pensando que o oceano tem uma relação com a maioria de nós, já que os nossos antepassados chegaram de navio proveniente de algum lugar da Europa ou da África para fazer parte da miscigenação brasileira ou Latino-americana.

 

Imagino a primeira impressão que devem ter tido os tripulantes das embarcações colonizadoras, ante tanta beleza, chegando no litoral brasileiro, no começo de tudo. Lembro como fiquei surpreso quando li “As aventuras de Hans Staden”, de Monteiro Lobato, ao ver como este consegue falar com tanta naturalidade de antropofagia para as crianças, mostrando, por exemplo, uma cena de uma criança Tupinambá roendo o osso de uma canela de um Índio de uma tribo inimiga que tinha acabado de ser assado. Hans Staden, inclusive, convivendo o tempo inteiro com o medo de acabar do mesmo jeito desse indígena.

 

Às vezes as pessoas me perguntam porque é que eu vim morar no Brasil, e isso foi há tanto tempo… Na época da minha adolescência os argentinos não vinham tanto para aqui, mas a referencia sempre foi o clima tropical, as belas praias, pessoas vestindo poucas roupas e o mar…

 

Ouvindo Gil e Caetano eu já sonhava em morar nessas terras. O brasileiro para mim é como o próprio mar que se recicla em ondas, bem diferente do argentino, que é bem mais estático e racional. Aqui meu corpo mímico relaxa…

 

O mar tão imenso nos atravessa, nos deixa nus, nos iguala.

 

Cheguei em terras tupiniquins com esse espírito de desapego, com vinte e quatro anos de idade, jovem, bonito e achando a vida eterna. “Andarilho”, depois de ter me separado da minha ex-companheira de teatro mambembe na Bolívia. Ela seguiu viagem rumo a Colômbia e eu vim para aqui. Atravessei a fronteira por Corumbá, no Mato Grosso do Sul e segui viagem rumo ao Nordeste brasileiro. Carregava como pertences uma mochila, um saco de dormir e um biombo desmontável que usávamos nas nossas apresentações. Passei por Trancoso, na Bahia e “ancorei” em Canoa Quebrada, no Ceará.

 

Década dos oitenta, ainda não existia o vírus da Aids, lugar paradisíaco com dunas imensas e sem estrada para circulação de carros nem hotéis e tendo como único lugar que possuía luz elétrica produzida por gerador o salão onde o pessoal dançava forró.

 

Cheguei junto com um amigo artesão carioca que fiz no caminho de apelido Pepeu. Acampamos numa barraca dele, na areia, num cantinho de rua do vilarejo, Meu dinheiro tinha acabado, portanto aceitei um empréstimo proveniente da família do meu amigo e fiz minha primeira compra na cidade próxima para vender sanduíches naturais na praia.

 

Praia, sanduíche natural vendido com sotaque e olhos verdes para jovens europeus num lugar paradisíaco. Mangas enormes a preço de banana, quarto com rede, fumaça de felicidade. Amores franceses, tudo de bom. O mais chocante foi à caminhada junto a uma moça procurando um “oásis” no deserto de areia para lavar nossa roupa e, depois de achado e feito o serviço, tomar banho nu na água doce, do lado do mar.

 

Minha despedida do lugar foi o começo da minha carreira de “brincante” no Brasil. Montei o biombo debaixo da única luz elétrica, de frente ao forró e realizei uma performance que mostrava como eu fazia o meu “sanduíche natural”. Chamei o público para a apresentação tocando um sino desses de escola que arranjei nem sei onde é, com grande emoção e uma baita barulheira, reuni à galera tocando o sino e gritando: “A comerrrr”.

 

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